Programa para setores de eventos e turismo prevê alíquota zero para tributos e parcelamento
Empresas têm recorrido ao Judiciário para obter o benefício fiscal previsto pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) – que abrange também a área do turismo. O motivo principal é a exigência de cadastro regular no Ministério do Turismo (Cadastur) para alguns segmentos poderem aderir, como bares e restaurantes. Há decisões favoráveis de primeira e segunda instância
O Perse prevê alíquota zero de Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins pelo prazo de cinco anos. Além de negociações para o pagamento de dívidas tributárias e com o FGTS com desconto de até 70% e de forma parcelada, em 145 meses. O programa foi criado pela Lei nº 14.148, de 2021, para tentar recuperar os setores de eventos e turismo, castigados pela pandemia da covid-19. São áreas importantes para a economia. Só o setor de eventos contribuiu com R$ 48,69 bilhões em impostos em 2019.
A nova lei atribuiu ao Ministério da Economia a competência para publicar, por meio de regulamentação, os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadrariam no Perse. E foi essa norma, a Portaria ME nº 7.163, de 2021, que gerou a judicialização.
A portaria não se limitou a relacionar os CNAEs das atividades econômicas contempladas, segundo o tributarista Guilherme Henriques, do Henriques Advogados. Teria criado novos requisitos para o aproveitamento do incentivo fiscal, não previstos na Lei nº 14.148, de 2021.
Pela regulamentação, na data da publicação da lei – 3 de maio de 2021 – hotéis, salões de eventos, teatros e cinemas já deveriam exercer a atividade, enquanto bares, restaurantes, locadoras de veículos e parques teriam que possuir o Cadastur.
De acordo com Guilherme Henriques, esses requisitos criarão uma concorrência desleal entre as empresas dos setores de eventos e turismo. “Sendo uma empresa nova ou estando com o Cadastur desatualizado à época da publicação da lei, como concorrer, pelos próximos cinco anos, com empresas que não pagarão impostos?”, questiona. Os tributos, acrescenta, podem chegar a 15% do faturamento, a depender do segmento.
Com as exigências, empresas resolveram buscar o Judiciário. “Tenho cliente que teve que interromper a atividade na pandemia, dispensou empregados e controles e cadastros ficaram desatualizados. Ao retomar as atividades recontrataram as mesmas pessoas, mas os cadastros estavam desatualizados”, afirma Henriques.
Uma das decisões beneficia um dos clientes do advogado, o parque temático e de diversão Foz Star. Foi dada pela 2ª Vara Federal de Cascavel (PR). A liminar afirma que o incentivo fiscal foi concedido, sem restrições, para todas as empresas prestadoras de serviços turísticos, cujo CNAE constasse do ato do Ministério da Economia. E acrescenta que a exigência de cadastro regular no Ministério do Turismo extrapola os limites da lei, não tendo validade (processo nº 5004317-69.2022.4.04.7005).
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, que abrange a região Sul do país, concedeu o acesso ao Perse ao restaurante e lanchonete Rota 80. De acordo com o voto do desembargador Leandro Paulsen, a Lei nº 14.148 delegou ao ato do Ministério da Economia apenas a designação dos códigos da CNAE. Para ele, a exigência de situação regular no Cadastur foi estipulada somente pelo ato infralegal (processo nº 5022229-45.2022.4.04.0000).
Para a advogada Márcia Dias, sócia do Coelho e Dalle Advogados, um ato do Ministério da Economia não pode limitar a previsão legal, exigindo requisitos adicionais. Ainda segundo ela, a exigência do Cadastur é “ilegal” e fere o princípio da isonomia. Isso porque, acrescenta, a situação permite que apenas parte dos contribuintes de um mesmo ramo seja
No geral, o setor de restaurantes e bares é o que mais tem procurado o Judiciário por conta do Cadastur, de acordo com Lucas Corsino, sócio do BBMM Advogados. Poucos restaurantes, diz o advogado, tinham esse cadastro e, por isso, precisaram recorrer ao Judiciário para obter o benefício fiscal.
Levantamento realizado pelo BBMM mostra, porém, um placar contrário aos contribuintes. De 37 ações localizadas na 3ª Região, que engloba os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, 30 são desfavoráveis. Prevalece nos casos o argumento de que não foi objetivo da lei aplicar alíquota zero para todas as empresas dos setores de eventos e turismo.
“O problema é que o Cadastur é um cadastro simples, não tem uma análise elaborada pelo Ministério do Turismo. A atividade turística de um restaurante não depende de um cadastro, ela integra o setor de turismo por si só”, diz o advogado.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que segue acompanhando as demandas relativas à controvérsia e que existem decisões favoráveis à União. Uma delas da 7ª Vara Federal de São Paulo, que negou liminar a uma empresa do setor de alimentação (processo nº 5008939-23.2022.4.03.6100). A empresa alegou que a Lei do Turismo (nº 11.771, de 2008) não estabelece a obrigatoriedade de bares, restaurantes e similares se cadastrarem no sistema do Cadastur.
Na decisão, a juíza Diana Brunstein afirma que só podem ser considerados legalmente do setor turístico os restaurantes e similares que cumpriram os requisitos do Cadastur. “O critério para o gozo do benefício fiscal foi estabelecido por ato legítimo do Poder Executivo, não podendo o Poder Judiciário adentrar no mérito do ato administrativo”, diz. Ainda segundo a juíza, a empresa pretende a extensão de um benefício fiscal, o que é vetado pelo Código Tributário Nacional (CTN).
Fonte: Valor Econômico